Surdez e suas perspectivas

A língua é a minha pátria mais profunda e inamovível, pois mesmo no exílio eu posso guardá-la; ela está em mim e estou nela. Ao mesmo tempo, somente como ilusão ou fantasma posso dizer de uma língua que ela é ̳minha‘. Não há posse possível de nenhuma língua e mesmo aquela dita ̳maternal‘ já é, desde sempre, língua do outro (AMORIM, 2004, p.27).

Ao longo da história, os surdos, assim como todos os sujeitos que se diferenciam do grande grupo, foram estigmatizados. Os estigmas relacionados aos sujeitos surdos se tornaram senso comum, sendo que para Skliar (1998), um grande escritor da área, podemos pensar que a incapacidade e a anormalidade prevaleceram rotulando as diferenças. Vamos refletir sobre a história e repensar estes rótulos?

Movimentos voltados à normalização da sociedade e exclusão daqueles que fogem de um determinado perfil existiram em diversos momentos. Historicamente houve e há a produção de um outro deficiente

inventado, produzido, fabricado, (re)conhecido, olhado, representado e institucionalmente governado em termos daquilo que poderia denominar-se como um outro ̳deficiente‘, ou seja, ainda que não seja o mesmo um outro ̳anormal‘, uma alteridade ̳anormal‘ (SKLIAR, 2003, p.113).

Skliar (1998), fonoaudiólogo argentino estudioso da área da surdez, escreveu sobre duas visões existentes nos estudos de pesquisadores dessa área: a visão socioantropológica e a visão clínico-terapêutica. Historicamente, a visão clínico-terapêutica foi, e ainda é, influenciada por discursos médicos e ideológicos que foram sendo assumidos com relação aos sujeitos surdos.

Em primeiro lugar, a visão clínico-terapêutica baseia-se em uma perspectiva organicista, que caracteriza os surdos por sua deficiência, buscando sua cura. A segunda visão, a perspectiva socioantropológica, estuda a surdez baseada em fatores sociais, culturais, educacionais e linguísticos.

Na perspectiva socioantropológica, pesquisadores compreendem a surdez como uma maneira específica de se construir a realidade histórica, política, social e cultural através da experiência predominantemente visual. É a partir e nessa experiência visual que consideram que os surdos desenvolvem sua identidade cultural e linguística.

A surdez, na visão socioantropológica, é apresentada sob a ótica dos estudos culturais, os quais buscam:

[…] um horizonte epistemológico na definição da surdez, no qual ela possa ser reconhecida como uma questão de diferença política, de experiência visual, de identidades múltiplas, um território de representações diversas que se relaciona, mas não se refere aos discursos sobre a deficiência (SKLIAR, 1998, p.29).

Esta perspectiva busca, então, afastar-se de concepções ligadas à patologização do surdo, propondo que a surdez seja vista como uma diferença cultural e linguística, e não como uma deficiência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo:

Musa Editora, 2004.

SKLIAR, C. B. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

______. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

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