Eu vim de uma família bilíngue

Antes de tudo, quero iniciar esta caminhada com você, leitor, me apresentando. Nasci em uma família bilíngue onde aprendi a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua. Toda a palavra verbalizada por meus pais era acompanhada de seu sinal em Libras, pois minha irmã mais velha, Janaína, é surda. 

Logo que descobriram sua surdez, meus pais buscaram a ajuda de profissionais fonoaudiólogos e médicos que os orientaram durante alguns anos na construção de uma família bilíngue. Minha mãe me contou que aos seis meses eu manifestava entendimento pelos sinais, tanto os feitos pela Janaína quanto por meus pais. Eu tinha em torno de um ano e dez meses quando usei o primeiro sinal ensinado por minha irmã: com uma mão fazia o sinal de mamãe (dedo indicador ao lado do nariz) e com a outra apontava para nossa mãe. Meus pais contam que todos ficaram muito felizes com minha sinalização e que Janaína batia palmas de tanta alegria.

Por conseguinte, depois dos dois anos de idade, comecei a falar algumas palavras em português. Antes disso, segundo minha mãe, eu preferia usar a Língua de sinais, sendo por meio dela e do português que iniciei minha caminhada na linguagem. 

Dialeto em Libras

Interessante que quando eu tinha três anos de idade e minha irmã cinco, criamos o que o fonoaudiólogo chamou na época de dialeto em Libras, ou seja, criamos nossos próprios sinais para conversar, brincar e brigar sobre aquilo que queríamos. O fonoaudiólogo explicou aos meus pais que isso era comum com irmãos que usam Libras e sugeriu que meus pais entrassem embaixo da mesa, onde gostávamos de conversar, para aprender estes sinais, relacionando-os com os sinais da Libras. Assim meus pais fizeram e fomos construindo uma linguagem em comum.

Quando assistíamos a um filme ou desenho, era eu quem, na maioria das vezes, traduzia do Português para a Libras para minha irmã. Minha mãe sempre dizia: “se você, Débora, estiver assistindo a alguma coisa e a Janaína estiver junto, ela tem direito de saber o que é que está sendo dito na televisão”.

Éramos uma família bilíngue mesmo quando a Janaína não estava presente. Aos treze anos de idade, comecei a atuar como intérprete voluntária na Igreja Luterana São Paulo, ao lado da Escola Especial Concórdia, em Porto Alegre, onde minha irmã estudou. A congregação precisava de alguém para traduzir os cultos e eu me candidatei. Foi um excelente aprendizado e fiquei alguns anos como intérprete desta Igreja. 

Tradutora-Intérprete

Atualmente, sigo atuando como tradutora-intérprete de Libras, concursada na UTFPR e fundei minha própria Escola Online de Libras, com meu próprio método após muito estudo de língua de sinais no Brasil e exterior. Fiz mestrado e doutorado na área de Comunicação e Linguagem e trabalhei mais de 10 anos em Universidades por todo Brasil, criando as disciplinas de Libras e lecionando na graduação e pós-graduação para milhares de alunos, literalmente. 

Trago comigo os aprendizados que tive no meu núcleo familiar. Aprendi a respeitar as diferenças, a dialogar em duas línguas e a viver em harmonia buscando sempre compreender o outro, mesmo que isso levasse tempo, mesmo que novos sinais precisassem ser criados e novos caminhos construídos.

Como escreve Geraldi (1997, p.4), “navegantes, navegar é preciso viver. Nossos roteiros de viagens dirão de nós o que fomos: de qualquer forma estamos sempre definindo rotas – os focos de nossas compreensões”. Convido você, leitor, a acompanhar-me neste percurso e a passar por diversos portos de reflexão sobre a Língua Brasileira de Sinais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GERALDI. Portos de passagem.São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PFEIFFER, C. Pesquisa na graduação – iniciação a uma história do conhecimento. In: TFOUNI, V. L.; MONTE-SERRAT, D. M.; CHIARETTI, P. (Orgs). A Análise do discurso e suas interfaces. São Carlos: Pedro e João Editores, 2011.